AUTORRETRATO
“Dentro da
cabeça, há um mistério que se movimenta... quem soul eu ao me olhar no espelho?
Ao sentir a ferida que cortou? Quem soul eu ao me olhar no espelho? Ao sentir a
ferida que cortou e dói!” A poesia da Liin da Quebrada, na música
PENSE&DANCE convoca aqueles mistérios que o corpo traduz em silêncio para
buscar palavras nessa descrição em mim. Reescrevo o autorretrato com algumas
frases copiadas... Na adolescência gostaria de ter me perguntado quem sou eu...
Invento memórias desaldeadas, só lembro a história que me contaram que ela foi
pega no laço, me apresento mantendo meu segredo bifurcado.
Falar, escutar e
entre um verbo e outro, pesquiso palavras chaves para recriar quem sou:
“confianza, contención y amor”. Me vejo coberta de nuvens, da cabeças aos pés.
Não consigo me encontrar, por cima há uma idealização de ser. Estou parada e
impedida de me ver. Procuro um reflexo, uma identificação. Respiro fundo...
uma... duas... três... quatro e recomeço. Aos poucos, me vejo desanuviada. Em
cada respiração, consigo abraçar um pouco quem sou e as nuvens recriam outras
formas. Vejo o meu rosto, meus cabelos cacheados, olhos castanhos amendoados,
lábios grandes, dentes grandes e nariz atrevido. “PARA DE METER O NARIZ ONDE
NÃO É CHAMADA, DANIELA!” A atriz bate a mão na coxa, imitando o gesto da sua
mãe e volta para a câmera. Depois de falar sobre seus traços, sorri. Sorri como
se precisasse ser alguém ali. “É que... as palavras... Elas... vocês sabem... É
que... tem algo... um momento que preciso... É que... vocês sabem... as
palavras... tudo... a cabeça... o que passou... vocês entendem?” Para como se
procurasse algo, como se não conseguisse falar na velocidade dos seus
pensamentos. Observa algumas fotografias.
“Eu lembro que
nessa época eu saia muito com meu pai, ia para roça, para o mato, para
cachoeira, para rua, para o bar...” Adorava beber guaraná e falar que era
cerveja. Nessa foto eu não me lembro, era de colo ainda..., mas lembro muito
bem desses olhos. Olhos que sempre acreditaram em mim. Também não me recordo
dessa época, mas lembro dela... Lembro que me ensinou o poder das plantas e dos
chás, e quando eu chorava muito, ela me abraçava. Nessa foto vejo meus pais, em
uma de suas várias transformações. Em outras me vejo... me vejo na repetição
dos medos, dos erros... Me vejo dançando como o vento. Me vejo aqui e no agora
para depois.
por Daniela Mara
texto desenvolvido na oficina "Teatro Documental, Memória e Direitos Humanos" com Paula Gonzáles (Chile) no Tepi.digital.

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